"Ainda sobre relações amorosas! Há uns tempos encontrei um artigo muito interessante que falava sobre a maneira como o "reforço intermitente" mantém algumas pessoas "presas" a outras. Parte duma ideia que vem da psicologia comportamentalista, muito (psico)fisiológica - o reforço, o estímulo condicionado - mas que adquire uma nova dimensão quando vista deste modo nas relações amorosas.
O reforço intermitente, traduzido à letra, consiste em receber respostas gratificantes aleatoriamente (umas vezes sim e outras não) pela mesma acção e em diferentes ocasiões. Como uma slot machine: às vezes carrega-se no botão e ganha-se; outras não. Numa relação amorosa o efeito é muito mais complexo, como seria de esperar, e "prende" porque mexe com os nossos medos e desejos mais íntimos.
Sorrimos a alguém; a pessoa devolve um sorriso aberto e interessado; isto repete-se por duas ou três ocasiões. Mas noutra ocasião voltamos a sorrir a essa pessoa, e desta vez ela não reage. Sentimos um misto de frustração, dúvida e curiosidade pela ausência de reacção, que nos faz querer tentar outra vez.
Podemos agora substituir o "sorriso" por qualquer troca de afecto entre duas pessoas, e em enredos mais complexos e enraízados numa relação. O efeito é o mesmo: a pessoa fica "presa" pela vontade de chegar a uma situação de saciedade que nunca chega. A relação promete essa saciedade, remete para uma situação ideal no futuro, mas essa situação nunca chega. Há pessoas que são autênticas "mestres" nisto. Sabem lêr o comportamento dos outros, detectar sinais de atracção e de desejo, sabem dar-se numas ocasiões e retirar-se noutras, de maneira a fazer o outro ficar dependente dessa promessa implícita.
Entra-se assim num ciclo de acções e reacções mútuas que oscila entre períodos de frustração e de realização, como uma espécie de droga. Os períodos de satisfação não chegam a ser suficientemente intensos ou longos para saciar totalmente a sêde gerada nos períodos de frustração, e por isso mesmo, quando satisfazem, não é tanto pelas características da pessoa em si, mas pela sensação de abundância que se segue à anterior sensação de escassez. E isto cristaliza-se, enraíza-se no estilo de relacionamento das pessoas, chegando a haver relações que não existiriam se não se alimentassem deste ciclo.
Mas não é entre quaisquer duas pessoas que isto acontece, é preciso uma combinação específica: duas personalidades que "encaixem" no emaranhado de medos e desejos de segurança uma da outra, que tenham o mesmo estilo de comunicação, etc. Muito provavelmente, a pessoa que exerce este efeito sobre a outra aprendeu a fazê-lo inconscientemente, ao longo do seu crescimento, como uma forma de manipulação destinada a "segurar" os outros - para lhe dar uma segurança que compensa a sua dificuldade em relacionar-se abertamente e em plenitude. E a pessoa sobre quem este efeito é exercido, provavelmente já traz em si uma facilidade em pôr-se a si própria em causa, ao seu valor, à sua capacidade de cativar (daí a curiosidade pela ausência de reacção), ou então uma tendência para idealizar este tipo de "pessoas difíceis" que não são coerentes nas suas mostras de afecto.
Seja como fôr, o "remédio" para este mecanismo é o mesmo que para os outros: tomar consciência dele, perceber como e quando isto acontece; enfrentar as verdadeiras questões que estão por detrás (tenho valor? Sou passível de cativar os outros? Sou capaz de estar sozinho? Sou capaz de confiar e entregar-me a alguém? Etc.); e aprender o verdadeiro amor: o amor transparente, directo e livre.
Quando uma relação faz sentido, normalmente, as coisas funcionam quase automaticamente e sem que precisemos de nos esforçar para isso. As coisas fluem, a conversa surge sem dificuldade, as pessoas entendem-se a um nível sensorial. Numa relação boa, as pessoas sentem-se livres, preenchidas e satisfeitas, compreendidas e valorizadas uma pela outra. Mostram uma à outra as suas facetas mais escondidas e os seus defeitos. Não têm necessidade de agradar ou de rejeitar para "segurar" o outro.
O amor não precisa de truques nem de mecanismos. É suficientemente belo e verdadeiro para que se baste a si próprio."
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